O tratamento de doenças pulmonares é frequentemente realizado com medicamentos orais, como comprimidos. Contudo, essa forma de administração não assegura que a dose necessária do princípio ativo chegue aos pulmões, onde é crucial para a eficácia terapêutica.
Em busca de uma solução mais eficaz, pesquisadores da USP em Ribeirão Preto, em colaboração com a Universidade de Genebra, na Suíça, desenvolveram uma plataforma inovadora que entrega diretamente aos pulmões a dosagem apropriada do medicamento. Segundo Yugo Araújo Martins, principal autor do estudo e pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, o intuito é aprimorar o combate a infecções respiratórias, tornando o tratamento mais preciso e efetivo.
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A insuficiência do medicamento nos pulmões ocorre devido à sua trajetória no organismo. Martins explica que a substância passa pelo fígado, onde pode ser alterada e perder efetividade antes de atingir o local da infecção. Isso resulta em antibióticos e antivirais chegando ao pulmão em concentrações inadequadas, prejudicando o tratamento.
“Prolongar a terapia ou aumentar a dose são alternativas, mas elevam o risco de efeitos colaterais e sobrecarregam órgãos como fígado e rins, especialmente em tratamentos prolongados”, alerta o pesquisador. A inovação desenvolvida utiliza nanopartículas lipídicas, que podem ser administradas por via nebulizada e replicam o comportamento de vírus respiratórios, permitindo-lhes superar as defesas naturais dos pulmões.
As nanopartículas são estruturas extremamente pequenas, constituídas de lipídios — podendo ser até mil vezes menores que um fio de cabelo humano. Dentro delas, foi incorporada bromexina, um expectorante conhecido que facilita a dissolução do muco e alivia a tosse.
Quando inalada, essa forma de medicamento atinge diretamente o sistema respiratório e interage com o muco, a principal defesa dos pulmões. Nesse processo, as nanopartículas imitam o trajeto dos vírus para atravessar essa barreira e atingir as células pulmonares, aumentando a eficácia do tratamento.
Esta abordagem é uma nova estratégia para potencializar o tratamento de problemas respiratórios por via pulmonar. “As nanopartículas, ao serem administradas diretamente nos pulmões, enfrentam as barreiras naturais das vias aéreas: a camada de muco e o movimento ciliar das células pulmonares, que ajuda a expulsar invasores”, explica Martins.
Para superar a adesão ao muco e evitar a remoção ciliar, os vírus respiratórios possuem proteínas em sua superfície que os protegem. “Esses vírus conseguem o ‘deslizamento’ entre as mucinas, principais componentes do muco, e chegam às células”, continua Martins.
Inspiradas por essas características virais, as nanopartículas lipídicas também superam o muco, quebrando ligações com as mucinas e permitindo a entrada nas células pulmonares. O pesquisador considera imitar as propriedades virais em estruturas nanométricas uma estratégia inteligente. “Isso contribui para um maior controle do comportamento das nanopartículas no corpo, além de melhorar a precisão e a eficácia dos tratamentos,” declara.
Controle da Inflamação em Infecções Virais
Ao invadir as células das vias aéreas, os vírus provocam uma resposta inflamatória no organismo, sendo reconhecidos pelo sistema imunológico que libera citocinas e quimiocinas, proteínas que recrutam células de defesa para o local da infecção. Esse processo intensifica a inflamação e a produção excessiva de muco, resultando em sintomas como febre, tosse e dificuldades respiratórias. Em casos graves, a inflamação pode comprometer funções vitais, podendo levar à morte.
Segundo o pesquisador, esse padrão é comum a todos os principais vírus respiratórios, como o influenza, o vírus sincicial respiratório (comum em crianças e idosos) e coronavírus. Durante a pandemia de COVID-19, esse mecanismo impactou profundamente a saúde pública, resultando em mais de 716 mil óbitos no Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde.
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A tecnologia de nanopartículas com bromexina visa também controlar a inflamação excessiva causada por infecções pulmonares. Em experimentos, o tratamento de células infectadas pelo SARS-CoV-2 com as nanopartículas reduziu significativamente a inflamação e aumentou a produção de MUC1, uma glicoproteína que protege as células pulmonares.
A nova plataforma nanotecnológica não apenas consegue atravessar a barreira de muco, mas também modular a resposta imunológica à infecção. Para Yugo Martins, esta nova estratégia é promissora para o tratamento de doenças respiratórias que envolvem inflamação e acúmulo de muco.
Os resultados foram obtidos em testes com células do epitélio respiratório humano infectadas com COVID-19, cultivadas em laboratório para reproduzir condições reais do sistema respiratório. “Criamos um ambiente onde a parte superior das células está em contato com o ar e a parte inferior submersa em um líquido nutritivo,” explica Martins, enfatizando que isso permite que as células se comportem de forma semelhante ao corpo humano, produzindo muco como ocorre na realidade. “Os testes proporcionam uma simulação mais fiel das condições do trato respiratório humano”, conclui.
As nanopartículas com bromexina superam as defesas respiratórias para alcançar células infectadas. Foto: Arquivo Pessoal
Plataforma Nanotecnológica para Diversos Fármacos
Segundo Martins, a incorporação de princípios ativos em estruturas nanométricas, como as desenvolvidas na pesquisa, é uma abordagem promissora para tratar doenças respiratórias, como asma e tuberculose, assim como infecções bacterianas e virais. As nanopartículas, afirma, melhoram a solubilidade dos medicamentos, aumentando sua eficácia ao chegar ao tecido pulmonar na dose certa.
A nova plataforma foi projetada para transportar uma variedade de substâncias ativas, incluindo antivirais que combatem infecções virais, como coronavírus e gripes. Além disso, a tecnologia pode ser adaptada para antibióticos e outros tratamentos respiratórios. A versatilidade da plataforma nanotecnológica abre novos caminhos para abordagens terapêuticas mais eficazes e direcionadas”, acrescenta.
Embora os lipídios e a bromexina que compõem as nanopartículas estejam aprovados pela Anvisa, mais estudos são necessários para explorar completamente o potencial terapêutico dessas nanopartículas lipídicas em doenças respiratórias.
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