Lesões no joelho são uma das maiores ameaças à carreira de atletas de alto desempenho, especialmente no futebol profissional. A ruptura do ligamento cruzado anterior (LCA) é particularmente preocupante – não apenas pela sua frequência, mas também pela gravidade e pelo longo tempo de recuperação que exige após a cirurgia, o que pode impactar significativamente o futuro do jogador.
Uma pesquisa realizada na Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da USP, com apoio da Fapesp, destaca aspectos pouco discutidos no processo de recuperação e alerta que o período de reabilitação pós-cirurgia pode não ser suficiente para garantir que o atleta esteja realmente preparado para voltar a jogar. Os resultados foram publicados na revista Knee Surgery, Sports Traumatology, Arthroscopy.
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De acordo com os pesquisadores, é crucial que a articulação recupere sua capacidade de suportar forças e cargas adequadamente, restaurando sua função biomecânica – e a pesquisa mostrou que isso nem sempre ocorre dentro do tempo esperado. O processo de reabilitação envolve uma complexa reaprendizagem motora, na qual o grupo utilizou tecnologias vestíveis para captar dados biomédicos em tempo real.
“Lesões no ligamento cruzado têm um impacto significativo no futebol. Quando um atleta sofre essa lesão, normalmente fica afastado por cerca de um ano. Isso gera preocupações não apenas para o clube, em termos de investimento e logística, mas também para o lado emocional do atleta que deseja retornar rapidamente”, afirmou Paulo Roberto Santiago, responsável pelo estudo.
Teste de Corrida com Mudança de Direção
Para a pesquisa, 26 jogadores da primeira divisão do futebol do Catar foram analisados: 10 haviam se submetido à cirurgia de reconstrução do LCA, enquanto 16 formavam o grupo-controle, sem lesões anteriores. Todos passaram por uma série de testes de movimento em campo.
Os pesquisadores utilizaram sensores de movimento afixados em vários pontos do corpo e palmilhas com medidores de pressão para examinar as reações dos jogadores a movimentos típicos do futebol, como mudanças repentinas de direção, que exigem desaceleração e torque articular, momentos críticos para o joelho.
Os resultados foram surpreendentes. Embora o tempo de execução das tarefas fosse semelhante entre os grupos, os sensores revelaram que os atletas operados apresentavam alterações sutis na mecânica do movimento. A perna lesionada mostrava menor flexão de joelho e aplicava menos força durante a manobra, mesmo após nove meses de reabilitação.
“O tempo para completar a tarefa era praticamente igual em ambos os lados do corpo, levando a concluir que o jogador estava pronto para voltar. Contudo, os sensores mostraram uma realidade diferente. Verificamos menor flexão e força aplicada na perna operada, o que indica que, embora clinicamente recuperado, o atleta ainda mantém um padrão de movimento compensatório, aumentando o risco de nova lesão”, explicou Santiago.
Essas adaptações são respostas inconscientes do corpo, que tenta proteger a articulação operada durante movimentos de alta carga, conforme destaca João Belleboni Marques, principal autor do estudo. “Menor ângulo de flexão no joelho ao mudar de direção indica uma menor capacidade de absorção de impacto, diretamente relacionada ao mecanismo de lesão do LCA”, afirma. Essas compensações biomecânicas podem sobrecarregar outras estruturas ao longo do tempo, elevando as chances de lesões adicionais.
Impacto Prático
Santiago afirma que o estudo revela a necessidade de revisar os critérios usados para liberar um atleta para os treinos. “Atualmente, o tempo que o jogador leva para completar uma tarefa e o ganho de força muscular são os principais critérios. No entanto, essas evidências provam que isso é insuficiente. A qualidade do movimento deve ser observada. Apenas porque o atleta consegue correr ou saltar não significa que está pronto para voltar ao jogo”, ressalta.
Essa abordagem mais cuidadosa não elimina totalmente o risco de novas lesões, mas pode ajudar a prolongar a carreira do atleta. “Reconhecer a assimetria entre os lados do corpo permite que os profissionais de reabilitação trabalhem de maneira mais direcionada, potencialmente prevenindo lesões logo após o retorno”, explica.
Marques acrescenta: “Embora o desempenho em relação ao tempo na tarefa tenha sido recuperado, as estratégias de movimento ainda apresentam falhas, geralmente devido a limitações na força do quadríceps. É necessário corrigir esses padrões antes do retorno definitivo aos campos”.
Outro aspecto importante é o custo acessível das tecnologias utilizadas, especialmente relevante para grandes clubes. Embora atualmente estejam mais concentradas em centros de pesquisa e clínicas especializadas, essas ferramentas de tecnologia vestível devem se tornar mais comuns em clubes de esportes de elite.
“O ideal é que o atleta retorne o quanto antes, considerando o investimento e interesse em tê-lo disponível. Porém, é fundamental encontrar um equilíbrio entre um retorno rápido e um retorno seguro, o que a biomecânica pode ajudar a determinar”, conclui Santiago.
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