Viver com dor crônica diariamente é um desafio que afeta tanto o corpo quanto a mente e as emoções. Essa é a situação de muitas pessoas que enfrentam a disfunção temporomandibular (DTM), condição que compromete a articulação responsável por abrir e fechar a boca, além dos músculos da mastigação. Para esses indivíduos, a rotina é marcada por dores constantes na mandíbula, na cabeça, nas têmporas e ao redor do ouvido, além de dificuldades para mastigar e dores de cabeça, o que impacta negativamente a saúde mental.
Um estudo da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), financiado pela Fapesp, revelou que a prática regular de mindfulness, uma forma de meditação que promove a atenção plena, pode ajudar a reduzir a dor e melhorar a regulação emocional. As descobertas foram publicadas no Journal of Oral Rehabilitation.
A pesquisa foi realizada no primeiro Centro de Mindfulness e Terapias Integrativas da USP, que foi fundado em 2016, sob a liderança da enfermeira e professora Edilaine Gherardi-Donato. O objetivo era explorar se o mindfulness poderia aliviar a dor crônica associada à DTM e impactar fatores neurofisiológicos e psicológicos, como estresse, ansiedade e a “catastrofização da dor”, um fenômeno em que a pessoa se fixa negativamente na dor, percebendo-a como insuportável.
A pesquisadora destaca que conviver com dor gera sofrimento psíquico significativo e estresse, tanto físico quanto mental. “A promoção da saúde mental através de cuidados que conectam corpo e mente é crucial para prevenir doenças e aumentar a qualidade de vida”, afirma.
Gherardi-Donato aponta que a DTM é duas a três vezes mais frequente em mulheres do que em homens e pode se tornar crônica se persistir por três a seis meses, mesmo em repouso, além de comprometer sono, humor e causar hiperalgesia, que é a resposta exagerada a estímulos dolorosos.
Nesses casos, o corpo fica em alerta, sensibilizando o cérebro e aumentando a percepção da dor, que se torna uma questão central de modulação do sistema nervoso central, exigindo um tratamento multidimensional.
Metodologia do Estudo
O estudo acompanhou 53 mulheres, entre 18 e 61 anos, diagnosticadas com DTM crônica, recrutadas no serviço especializado da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp-USP) e através de mídias sociais. Metade delas participou de um programa de mindfulness de oito semanas, que incluía encontros semanais e um dia de imersão na natureza, além de áudios para praticar em casa. O grupo controle não recebeu intervenção e foi monitorado para garantir que não se envolvesse em outros tratamentos.
“Avaliar apenas mulheres foi uma escolha, devido à maior incidência do problema e suas variabilidades hormonais. Olhamos para casos em que a dor já estava crônica e essas mulheres estão predispostas a sentir dor em outras partes do corpo devido a mecanismos de sensibilização”, explica a pesquisadora.
O programa de mindfulness foi adaptado à cultura brasileira, começando com práticas curtas que foram gradualmente aumentadas. As atividades incluíam exercícios formais, como foco na respiração e emoções, além de práticas informais que promoviam a atenção plena nas atividades do dia a dia.
“É importante que a prática de mindfulness seja progressiva para facilitar a experiência de estar presente e conectado ao corpo e às emoções”, complementa Gherardi-Donato.
Após oito semanas, as participantes do programa mostraram uma melhora significativa na tolerância à dor, com redução dos pontos dolorosos e diminuição do estresse e da catastrofização da dor.
“Essas mulheres relataram menos dor e estavam menos sensíveis a estímulos que antes eram incômodos. Também conseguiram colocar a dor em perspectiva, dando espaço para o autocuidado e lidando de forma mais consciente com emoções negativas”, afirma a pesquisadora.
Outro benefício observado foi a melhoria na consciência corporal e na regulação emocional, ajudando as participantes a lidarem melhor com as sensações desafiadoras. A prática de mindfulness auxiliou as mulheres a reconhecerem a dor como algo temporário, sem precisar dominar suas vidas.
Embora o estudo não tenha mostrado mudanças significativas nos sintomas de ansiedade e depressão, os ganhos em redução de estresse e percepção da dor são expressivos.
Baixo Custo e Acessibilidade pelo SUS
Os resultados do estudo reforçam que práticas integrativas como o mindfulness podem ser valiosas para o manejo da dor crônica, especialmente em condições como a DTM. Além disso, sua implementação é de baixo custo e pode ser integrada aos serviços públicos de saúde.
O mindfulness já é reconhecido na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do SUS desde 2017, o que o torna uma opção acessível para a população.
Gherardi-Donato acredita que o impacto do mindfulness vai além do alívio físico, promovendo uma nova postura diante da vida. “O programa melhora habilidades cognitivas e emocionais, promovendo um maior autoconhecimento e autocuidado. A prática constante ensina a estar presente, fazer escolhas conscientes e viver com mais atenção no cotidiano”, finaliza.
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