Professora da USP investiga os motivos das baixas taxas de vacinação no Brasil comparadas a outros países.

Nos últimos 13 anos, a antropóloga Márcia Couto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), tem se concentrado em um tema que, até 2014, não possuía um nome oficial: a hesitação vacinal. Este conceito, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), refere-se ao atraso ou recusa em aceitar vacinas recomendadas, mesmo quando disponíveis, e é considerado uma das dez principais ameaças à saúde global.

Uma das primeiras contribuições de seu grupo de pesquisa, no Departamento de Medicina Preventiva, surgiu através de uma ex-aluna de pós-graduação, médica pediatra infectologista.

“Ela observou que pais com alto nível socioeconômico e educacional estavam relutantes em vacinar seus filhos”, explicou Couto, durante sua palestra no quarto dia da Escola Interdisciplinar Fapesp: Humanidades, Ciências Sociais e Artes, realizada no Instituto Principia, em São Paulo, de 1º a 5 de dezembro.

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A inquietação da aluna motivou Couto a desenvolver uma série de pesquisas para entender as razões da hesitação vacinal no Brasil, considerando fatores como classe social, escolaridade, gênero e raça, além de comparações com outros países do Norte e do Sul Global.

Um dos estudos analisou 44 famílias em duas capitais brasileiras, São Luís (MA) e Florianópolis (SC), e em Cape Town, na África do Sul, envolvendo 62 pais ou cuidadores de crianças com até 5 anos. Uma das conclusões foi que a hesitação em vacinar reflete disputas simbólicas, desigualdades e diferentes estilos de cuidado.

Márcia Couto, da FM-USP: Abordagens eficazes incluem destacar a segurança e eficácia da vacina, além dos riscos da doença (foto: Érika de Faria/Temporal Filmes)

Para famílias de baixa renda, os obstáculos são práticos: acesso, tempo, esquecimento e serviços de saúde limitados. Já famílias de maior escolaridade e renda geralmente levantam críticas à indústria farmacêutica, valorizam a autonomia dos pais e veem a vacina como uma ameaça, temendo efeitos adversos mais do que a própria doença.

Com relação à Covid-19, a não vacinação se tornou um ponto de controvérsia no Brasil, conforme lembrou a pesquisadora, citando os protestos contra as vacinas.

Em estudos realizados entre 2014 e 2018, antes da pandemia, o grupo da professora já havia identificado crenças e percepções que justificam a hesitação vacinal, observadas tanto em países do Sul quanto do Norte Global.

Antes dos chamados “sommeliers de vacina” que surgiram durante a pandemia, já havia críticas sobre a composição e os mecanismos dos imunizantes, além de desconfiança em relação à indústria farmacêutica. A crença de que a doença não é grave, rara ou já foi erradicada—paradoxalmente devido à vacinação em massa—também foi um fator mencionado, assim como o medo de efeitos adversos e a valorização da imunidade natural em detrimento da imunidade adquirida por meio das vacinas.

Para Couto, enfrentar a hesitação vacinal é uma tarefa crucial para a saúde pública, que requer tanto compreensão quanto a busca por soluções. Em um estudo apoiado pela Fapesp, seu grupo testou diferentes formas de comunicar a importância da vacinação. Uma das estratégias mais eficazes foi apresentar as vacinas enfatizando não apenas os riscos das doenças, mas também a segurança e eficácia dos imunizantes. “Essa abordagem foi mais eficaz em reduzir a resistência das pessoas em relação às vacinas”, concluiu.