Novo protocolo para pesquisas sobre gasto energético pode melhorar o tratamento da obesidade.

Com os avanços nos tratamentos para obesidade, um grupo internacional de cerca de 80 pesquisadores de 18 países, incluindo o Brasil, desenvolveu uma nova padronização para medir o gasto energético. Em um artigo publicado na revista Nature Metabolism, os cientistas propõem regras e unidades uniformizadas para análises de gasto energético em modelos experimentais (roedores), substituindo a prática antiga de dividir as taxas metabólicas pelo peso corporal.

A normatização, que ainda não existia, busca garantir resultados replicáveis, comparáveis e consistentes. Isso permitirá a criação de um banco de dados padronizado, facilitando a aplicação de técnicas avançadas de análise, como inteligência artificial. Essa padronização abre novas possibilidades para o desenvolvimento de testes pré-clínicos de novas classes de medicamentos voltados para a obesidade e outras doenças metabólicas, focando no gasto energético.

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“Doenças complexas e multifatoriais, como diabetes, aterosclerose e hipertensão, geralmente necessitam de, no mínimo, dois ou três medicamentos. Essa associação pode reduzir as doses de cada um, aumentando a eficácia e segurança para o paciente”, comenta o médico Licio Augusto Velloso, diretor do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) e um dos autores do estudo.

“No contexto da obesidade, apesar das inovações recentes, os novos medicamentos tendem a reduzir a fome, mas não aumentam o gasto energético. O tratamento ideal seria aquele que reduz a sensação de fome enquanto eleva o gasto energético. O grande desafio até agora era padronizar os métodos para medir esse gasto”, explica o pesquisador.

Localizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o OCRC é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela Fapesp.

Na última década, o tratamento da obesidade evoluiu com o lançamento de medicamentos que mimetizam o hormônio GLP-1, como a semaglutida – o princípio ativo do Ozempic – e a tizerpatida, presente no Mounjaro. Esses fármacos atuam no sistema nervoso central e digestivo, oferecendo sensação de saciedade e reduzindo a fome.

Contudo, ainda há espaço para o desenvolvimento de medicamentos que estimulem células do tecido adiposo a gastar energia e produzir calor, um processo conhecido como termogênese, que pode promover a perda de peso.

Recentemente, outra pesquisa publicada na Nature Metabolism revelou um medicamento experimental capaz de prevenir o acúmulo de gordura mesmo em dietas ricas em lipídios, além de tratar a obesidade e reverter problemas metabólicos associados.

De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade 2025, mais de 1 bilhão de pessoas vivem com obesidade em todo o mundo, uma condição associada a aproximadamente 1,6 milhão de mortes anuais. No Brasil, estima-se que 31% da população seja obesa, e entre 40% e 50% dos adultos não praticam atividade física na frequência e intensidade recomendadas.

Padronização

No artigo, os pesquisadores propõem um conjunto de unidades uniformizadas para experimentos de calorimetria indireta, que mede as calorias gastas pelo organismo.

As novas unidades incluem: consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono medidos em mililitros (ml) por hora; gasto energético em quilocalorias (kcal/h); ingestão energética em kcal/h; ingestão de água em ml/h; medidores de atividade física em metros e razão de troca respiratória.

A maior parte dos estudos sobre gasto energético é conduzida em laboratórios com roedores, utilizando uma câmara respirométrica. Este equipamento, completamente selado, mede constantemente o oxigênio e o dióxido de carbono, além de monitorar a temperatura do corpo do roedor e sua movimentação. O custo médio de uma câmara para um camundongo é de cerca de US$ 30 mil, e os laboratórios geralmente possuem entre 10 e 12 unidades.

Câmaras respirométricas do laboratório do professor José Donato Junior, utilizadas em estudos com roedores. Foto: Laboratório de Neuroendocrinologia e Metabolismo/USP

“Essa iniciativa tão aguardada pode melhorar significativamente a precisão e profundidade nas investigações do metabolismo de mamíferos, possibilitando a descoberta de efeitos sutis, mas fisiologicamente relevantes, que estudos individuais frequentemente não conseguem captar”, afirma o grupo liderado por Alex Banks, presidente do Comitê Internacional de Consenso de Calorimetria Indireta e diretor do Centro de Balanço Energético do Beth Israel Deaconess Medical Center (BIDMC) da Harvard Medical School.

José Donato Junior, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coautor do artigo, ressalta que a falta de padronização pode gerar inconsistências na literatura científica, levando a conclusões divergentes em diferentes estudos devido às variadas formas de análise de dados.

“Cada pesquisador apresentava os dados de maneiras distintas principalmente por causa da forma como os equipamentos forneciam as informações. Assim, o objetivo desta publicação foi reunir um consórcio internacional robusto para propor novos padrões”, explica Donato Junior, que também é membro do OCRC e coordena um laboratório de neuroendocrinologia e metabolismo na USP, um dos poucos no Brasil com câmara respirométrica.

Os pesquisadores citam como exemplo dos problemas causados pela falta de padronização o caso dos genes humanos ALK7/Acvr1c e Activin E/Inhbe, que estão relacionados a alterações na composição corporal. Variações genéticas nesses genes estão ligadas a diferenças na razão cintura-quadril e ao desenvolvimento de diabetes tipo 2. Em camundongos, a remoção de um dos genes Acvr1c, Inhbe ou Gdf3 altera o peso corporal, mas a causa dessa obesidade e se é compartilhada entre os modelos permanece incerta devido aos diferentes métodos de análise.

Com a publicação do artigo, os pesquisadores buscam promover essas normas nas principais revistas científicas voltadas ao metabolismo para que sejam adotadas como padrão na avaliação de artigos para publicação, além de disseminá-las em congressos e eventos da área.