Instrumentos de metrologia aprimoram a avaliação de cachaça e vodka em laboratórios.

Pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP aprimoraram a qualidade nos laboratórios de análise de bebidas destiladas, como cachaça e vodca. O grupo criou um Material de Referência Certificado e implementou Ensaios de Proficiência, ferramentas metrológicas cruciais que estabelecem padrões e garantem a confiabilidade dos resultados em relação aos congêneres orgânicos – substâncias que afetam aroma e sabor, mas podem ser prejudiciais em altas concentrações. Os achados foram publicados na Revista Accreditation and Quality Assurance.

Para proteger a saúde pública e evitar a toxicidade, os laboratórios monitoram a composição das bebidas destiladas. Os sistemas de gestão da qualidade asseguram que os resultados sejam consistentes e confiáveis.

Igor Olivares, professor do IQSC e orientador do estudo, destaca a conexão entre a metrologia – a ciência das medições – e a gestão da qualidade. As ferramentas metrológicas garantem que os resultados sejam fidedignos, respeitando os padrões estabelecidos. “Por exemplo, ao produzir um capacete, precisamos de ferramentas de metrologia e qualidade que assegurem a funcionalidade do produto”, explica o docente.

Rhaissa Bontempi, química e primeira autora do artigo, ressalta que o controle de qualidade opera nos bastidores da análise, alertando para a ideia equivocada de que o processo se limita à execução de análises laboratoriais. “Há um imenso trabalho de validação dos resultados”, afirma, enfatizando a importância da gestão da qualidade na credibilidade de laudos.

Ferramentas Metrológicas

A presença de congêneres orgânicos nas bebidas destiladas é uma constante, dada sua inclusão no processo de produção. Rhaissa Bontempi explica que não é possível removê-los, pois o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento estabelece concentrações aceitáveis. “Eles são subprodutos da produção e fazem parte da bebida; o que fazemos é monitorar para garantir que estejam em níveis seguros”, ressalta.

Na análise, os analitos escolhidos para a vodca incluíram acetato de etila, metanol e 2-metil-1-propanol, enquanto que para a cachaça, foram metanol, propanol, 2-metil-1-propanol e 2-metil-1-butanol. A pesquisadora aponta que os congêneres são semelhantes, distinguindo-se principalmente pelas concentrações.

A investigação desenvolveu ferramentas de controle de qualidade para as análises dessas concentrações, com a produção de Material de Referência Certificado (MRC) e a implementação de Ensaios de Proficiência (EP).

Como exemplo da aplicação do MRC, pode-se comparar a um peso-padrão usado em balanças para verificar sua precisão. O MRC criado contém concentrações das substâncias analisadas e serve como referência para os laboratórios. Enquanto isso, o EP é uma prova prática onde um material desconhecido é enviado aos laboratórios para que eles determinem corretamente as concentrações dos componentes tóxicos.

A produção do MRC envolveu análises de cachaça e vodca, fornecidas por uma empresa parceira. Utilizou-se a técnica de spiking, que consiste na adição de quantidades conhecidas das substâncias nas bebidas estudadas. “Baseamo-nos na bebida e adicionamos os analitos”, explicaram os pesquisadores.

Para certificar o material, foram realizados testes de estabilidade, verificando a conservação em diferentes temperaturas, homogeneidade para garantir consistência entre os frascos de MRC e caracterização que determina o valor da propriedade por métodos analíticos.

Além do MRC, existe o Material de Referência (MR), mas o grupo escolheu o MRC por ser mais confiável. “O MRC vem com um certificado, tornando-o o mais indicado para laboratórios”, justifica Rhaissa Bontempi.

Olivares esclarece que, embora os laboratórios analisem a bebida, o estudo focou na avaliação da concentração de contaminantes da cachaça. Após o desenvolvimento, o MRC foi disponibilizado gratuitamente para laboratórios de bebidas.

Para aplicar o EP, um protocolo foi enviado, contendo introdução, objetivos, parâmetros e métodos de análise. Os laboratórios puderam, no entanto, realizar os testes conforme seus próprios procedimentos, recebendo dois frascos de diferentes materiais de referência e decidindo qual substância avaliar.

Tanto o MRC quanto o EP têm objetivos distintos: o primeiro oferece suporte para o controle interno de qualidade, enquanto o segundo avalia o desempenho do laboratório através de testes cegos, assegurando imparcialidade nas avaliações. Rhaissa Bontempi conclui que ambos são complementares: “O MRC é eficaz, mas e se não for suficiente? Temos o ensaio de proficiência.”

Contaminação Natural de Bebidas

As ferramentas metrológicas têm aplicações diversas, mas a cachaça foi a escolhida por ser um produto nacional. Olivares explica que não há materiais de referência certificados internacionalmente para este produto, já que a cachaça é um produto tipicamente brasileiro.

A colaboração com uma empresa de bebidas foi um fator motivador para o estudo sobre bebidas destiladas, dada sua elevada demanda. Rhaissa Bontempi observa que este setor é complexo, tornando essencial a adoção de mecanismos de monitoramento. “Sempre há problemas em algum lote de bebida, e é difícil controlar os produtores”, complementa.

No entanto, Olivares ressalta que as ferramentas não são utilizadas para detectar adulterações, uma vez que elas indicam contaminações naturais. “Se uma bebida adulterada contém muito metanol, após análise laboratorial, ela será identificada sem a necessidade do MRC para detectar a adulteração”, finaliza.