Caro leitor, toda noite de céu estrelado é como uma janela na direção do tempo que passou. E não volta. É passado. É pretérito perfeito… não, é pretérito mais que perfeito, com o véu escuro da noite ilhando a luz da Lua. Pode até parecer ficção, caro leitor, mas trata-se de um fato: quando contemplamos a noite e suas luzes cintilantes, vemos uma foto antiga, do que já foi e está a milhares de anos-luz.
Luz! Exato. Nós enxergamos a luz daqueles astros, emitida há muitos e muitos anos. Após uma longa viagem pelo espaço, com a estonteante velocidade de 300 mil quilômetros por segundo, o brilho da estrelas chega aos nossos olhos. A estrela mais próxima do nosso planeta, depois do Sol, chamada Próxima do Centauro, está à distância de 40 trilhões de quilômetros da Terra. A luz por ela emitida leva mais de quatro anos para chegar aqui. Imagine só os astros que ficam lá nos cafundós do universo, onde Judas perdeu suas botas estelares? Vixe…
Meu contato mais próximo com as estrelas aconteceu faz muitos anos, quando eu tinha meus 14 ou 15 anos. E foi uma noite incrível. Minha avó Ana, mãe da minha mãe, levou meu irmão Julio, meu primo Bruno e eu para conhecer o Planetário do Rio de Janeiro. Entramos em um auditório grande, que mais parecia um cinema — com a diferença que ficávamos olhando para cima, onde era projetada a imagem do céu estrelado. Nos divertimos muito, principalmente quando fomos para o terraço e observamos os astros por meio de um potente telescópio. ‘Olha, um cometa!’, disse uma senhorinha, ao ver um avião rasgando o céu.
Havia uma atmosfera mágica. Nós três ali. Isso já era o suficiente. Bastava. E rimos à beça, seja procurando pelas constelações ou jogando bola com uma latinha de refrigerante do lado de fora do planetário, enquanto esperávamos nossa avó vir nos buscar. Esta foi a minha última lembrança do meu primo ainda saudável. Logo, ele seria diagnosticado com câncer e iria iniciar a mais dura e corajosa batalha de nossas vidas.
Ainda hoje, caro leitor, depois de 14 anos de ausência e saudade, quando observo a noite escura, vejo a luz daquela estrelinha. Que já não está mais lá, fisicamente, mas que continua brilhando de forma intensa. Na minha janela.
‘Em que janela me quedei contemplando o tempo que já foi. Onde terminará o arco-íris, dentro da minha alma ou no horizonte. Ainda ontem disse a meus olhos, quando nos veremos de novo?’
(Pablo Neruda, Livro das Perguntas)
Guilhermo Codazzi da Costa é editor-executivo da Gazeta de Taubaté