Pela primeira vez, pesquisadores demonstraram uma específica variação genética relacionada ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) utilizando avançadas técnicas de sequenciamento de DNA. Esses resultados confirmam estudos anteriores do grupo, contribuindo para uma compreensão mais abrangente sobre como a genética afeta o desenvolvimento do transtorno e abrindo oportunidades para diagnósticos mais precoces e tratamentos personalizados no futuro.
A pesquisa revelou que crianças com TOC apresentam uma incidência notavelmente maior de variantes raras de número de cópias (CNVs) em comparação com crianças saudáveis: sete em cada cem pacientes, em contraste com apenas 0,5 entre a população não afetada. O TOC pediátrico é um transtorno psiquiátrico prevalente em que fatores genéticos são significativos.
Atualmente, sem cura, o TOC impacta entre 1% e 3% da população mundial, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O transtorno é caracterizado por obsessões (pensamentos intrusivos) e compulsões (ações repetitivas) que geram sofrimento intenso, prejudicando as relações sociais e profissionais. Os tratamentos disponíveis buscam controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Para conduzir essa pesquisa, os cientistas utilizaram a técnica de sequenciamento do exoma completo (WES), analisando dados de 183 famílias com trios de TOC e 771 controles sem o transtorno, provenientes de São Paulo, New Haven (EUA) e Toronto e Ontário (Canadá). Um “trio familiar” refere-se à análise dos genomas de uma pessoa com TOC e seus pais, com o objetivo de identificar mutações genéticas.
As CNVs correspondem a uma variação no número de cópias de segmentos específicos de DNA entre diferentes indivíduos, podendo variar de poucos a milhares de bases. Essas variações podem resultar de duplicações (quando uma parte do DNA se repete) ou deleções (quando algo falta). Algumas CNVs são herdadas, enquanto outras ocorrem pela primeira vez em um indivíduo e não estão presentes nos pais, conhecidas como “de novo”. Dependendo da região do DNA afetada, essas variações podem estar ligadas a doenças.
“Todo indivíduo possui mutações ‘de novo’, isso é parte da evolução. A chave está em entender onde essas variantes se localizam no genoma, quais processos influenciam e se são prejudiciais. Ao analisarmos variantes raras — tanto herdadas quanto ‘de novo’ — não encontramos diferenças significativas entre as famílias com TOC e os controles. No entanto, ao focarmos nas variantes ‘de novo’, as diferenças tornam-se notórias, especialmente as deleções que estão associadas ao transtorno. Isso desafia o paradigma da hereditariedade”, comenta Carolina Cappi, uma das autoras do estudo, do Departamento de Psiquiatria do Icahn School of Medicine, Mount Sinai, em Nova York.
Cappi também é parte do Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), que une a Universidade de São Paulo (USP) às universidades federais de São Paulo (Unifesp) e do Rio Grande do Sul (UFRGS), além de ser um dos Centros de Pesquisa Aplicada (CPAs) da FAPESP. O projeto recebeu apoio da Fundação através de um Projeto Temático, coordenado pelo psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da USP, Eurípedes Constantino Miguel Filho, também coautor do artigo.
Resultados
Publicada no Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, a pesquisa mostrou que 75% das variantes genéticas identificadas em pacientes com TOC foram potencialmente prejudiciais, enquanto nenhuma variante foi detectada nos controles saudáveis. Isso sugere que essas não são meras diferenças genéticas aleatórias, mas que provavelmente aumentam o risco de desenvolvimento da doença.
“Esse estudo representa um passo significativo na compreensão das raízes genéticas do TOC, embora deva ser considerado parte de um quadro maior. É ciência fundamental, que pode resultar em insights valiosos para futuras investigações e tratamentos. É um progresso importante na longa jornada em direção à compreensão desse transtorno complexo”, afirma Thomas Fernandez, psiquiatra infantil especializado em TOC na Yale School of Medicine e autor correspondente do artigo.
As detecções de CNVs obtidas neste estudo estão agora disponíveis para apoiar outras pesquisas futuras e análises integradas.
Parceria de longa duração
Em 2008, Miguel Filho e sua equipe fundaram o Consórcio Brasileiro de Pesquisa do Espectro do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (CTOC), unindo sete centros no Brasil para coletar dados clínicos de indivíduos com TOC, com o objetivo de investigar suas características.
Os dados genômicos começaram a ser integrados quase 15 anos depois, quando Cappi organizou o Grupo de Trabalho Genética/Fenótipo do Transtorno do Espectro Obsessivo-Compulsivo (Brazil Genetic/Phenotype OCD Working Group – GTTOC), envolvendo dez centros brasileiros. O grupo é formado por psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e biólogos, oferecendo treinamento clínico e de pesquisa em diversas regiões do país — muitos dos quais não são especializados em TOC.
Além de coletar dados clínicos, o GTTOC realiza a coleta de material biológico em sete estados e colabora com projetos internacionais. A equipe criou um canal no Instagram (@somosgentoc) para aumentar a inclusão amostral, reduzir o estigma associado a transtornos psiquiátricos e disseminar ciência de forma acessível, compartilhando descobertas e conceitos sobre genética, saúde mental e tratamentos para o TOC. Isso permite alcançar populações que, frequentemente, não têm acesso a hospitais ou que residem em áreas remotas.
A diversidade amostral possibilita compreender diferentes determinantes sociais e grupos étnicos. Atualmente, o grupo já conta com quase 300 famílias de pacientes com TOC e mais de 1.200 indivíduos diagnosticados.

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