As lavouras pelo Brasil enfrentam um desafio silencioso que compromete a produtividade: a aplicação de defensivos agrícolas. Atualmente, os tratores dominam o mercado, representando 80% do setor, seguidos pelos aviões, com 18%. Contudo, ambos os métodos apresentam desvantagens que impactam os produtores e a eficácia das operações.
Um dos problemas dos tratores é o amassamento das plantas causado pelo peso das rodas durante a aplicação de produtos químicos, o que pode resultar em uma perda de até 4% na produtividade. Henrique Moritz, CEO da ModelWorks Engenharia, ressalta que em uma propriedade de mil hectares, isso representa uma perda significativa de receita.
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Esse amassamento é especialmente prejudicial em terrenos irregulares e grandes plantações, e a compactação do solo, gerada pelo trânsito repetido dos tratores, dificulta o desenvolvimento das raízes.
Por outro lado, a pulverização aérea, apesar de evitar o amassamento, é muitas vezes imprecisa. Isso resulta na dispersão de produtos químicos para áreas adjacentes, um fenômeno conhecido como deriva, que levanta preocupações ambientais e de saúde pública. “Esse problema não só requer mais insumos mas pode gerar conflitos entre vizinhos”, explica Moritz. Além disso, os aviões não conseguem operar com segurança em zonas acidentadas, e a ocorrência de acidentes aéreos ainda é uma realidade indesejável.
Contudo, essa tecnologia ainda enfrenta desafios, principalmente por conta da maioria dos modelos disponíveis serem drones elétricos de fabricação chinesa, que possuem baixa autonomia. “Em média, a cada dez minutos de operação, é necessário trocar a bateria”, observa Moritz. Essa necessidade torna a logística complicada, especialmente em grandes propriedades, aumentando assim o custo por hectare e expondo mais os trabalhadores a produtos químicos.
Para resolver essas questões, a startup de Moritz, apoiada pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da Fapesp, desenvolveu um drone híbrido que opera com combustível e um sistema de reabastecimento inteligente totalmente nacional. Essa inovação elimina a dependência de baterias, permitindo operações prolongadas e reduzindo significativamente o custo por hora de uso, além de atingindo rendimentos semelhantes aos tratores.
O sistema de pulverização é automatizado, otimizando a produtividade e precisão com custos operacionais que podem ser até 50% menores que os atuais. Para reabastecer, o drone pousa em uma plataforma móvel que automaticamente fornece tanto combustível quanto produtos químicos — um procedimento que normalmente é manual e exige muitas mãos de obra.
O engenheiro mecânico menciona que o objetivo é atingir a mesma cobertura dos tratores, mantendo a qualidade da pulverização dos drones. “Estamos unindo o melhor dos dois mundos: a qualidade da aplicação dos drones com a eficiência e o custo reduzido de métodos tradicionais”, resume.
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Após o reabastecimento, o drone decola automaticamente, sem necessidade de assistência humana, o que simplifica a logística e diminui a necessidade de mão de obra. Isso é crucial para melhorar as condições de trabalho, dado que a pulverização agrícola é uma das atividades mais perigosas no campo. “O operador controla tudo remotamente, garantindo sua segurança e evitando o contato com produtos químicos”, detalha Moritz.
Com uma aplicação mais precisa, a deriva é reduzida, resultando em benefícios ambientais. Em resumo, essa solução preserva o meio ambiente, melhora a eficiência e assegura a segurança ocupacional dos trabalhadores.
Da observação à solução
O projeto teve origem nas observações do pesquisador: “Minha família sempre esteve ligada ao agronegócio e eu via de perto as dificuldades enfrentadas pelos produtores”, conta. Decidido a usar seu conhecimento técnico, Moritz buscou unir ciência e agronegócio, transformando aprendizado acadêmico em soluções práticas. O desenvolvimento começou em 2016, e atualmente, o sistema possui cinco patentes em tramitação, incluindo uma já concedida para o sistema de reabastecimento automatizado.
A ModelWorks oferece dois modelos do dispositivo: um menor, ideal para pequenas propriedades e demonstrações, e um maior, capaz de cobrir extensas áreas com alta produtividade. Ambos preservam tecnologia híbrida e automação. A empresa já está testando um protótipo e busca validações para lançar o produto no mercado em breve.
Recentemente, a startup garantiu um investidor para acelerar seu desenvolvimento, com expectativa de apresentar produtos para demonstração em 2026. “Estamos considerando duas opções: venda direta para produtores ou parcerias de prestação de serviços. Já estabelecemos uma rede de prestadores de serviço, o que facilita essa transição”, comenta Moritz.
Vantagem competitiva e planos futuros
O custo de aquisição do modelo deverá ser maior que o dos concorrentes chineses, mas a expectativa é que os benefícios operacionais tornem o investimento vantajoso. A empresa pretende iniciar operações comerciais em 2026, começando por São Paulo.
Moritz enfatiza que a estratégia é estar próximo dos primeiros clientes para acompanhar a operação e realizar ajustes necessários, com planos de expansão em uma segunda fase para todo o Brasil e até para o exterior. “O potencial de mercado é vasto, não só no Brasil, mas em outros países que enfrentam desafios semelhantes na pulverização”, afirma.
A ModelWorks não é a pioneira na criação de drones híbridos para pulverização, mas, conforme o pesquisador, iniciativas anteriores não evoluíram devido à falta de maturidade do produto. “Estamos focados em validar nossos produtos para oferecer uma opção confiável e segura no mercado.”
Essa cautela é a estratégia da startup para destacar-se no setor. “Preferimos investir tempo e recursos para desenvolver um produto realmente diferenciado. Não se trata apenas de um drone, mas de um sistema automatizado que resolve diversos problemas simultaneamente.” No entanto, a empresa ainda enfrentará desafios como o investimento inicial, a adaptação dos produtores e as regulamentações.
Para Moritz, a chave é encontrar o equilíbrio entre inovação tecnológica e viabilidade econômica. “Nosso diferencial é oferecer não apenas inovação, mas uma ferramenta que ajude os produtores a reduzir custos, aumentar a segurança e melhorar a qualidade da pulverização.”
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