Uma pesquisa liderada por uma brasileira na Universidade de Harvard, EUA, descobriu uma população de neurônios que controla a febre e o torpor, um estado de metabolismo e funções fisiológicas severamente reduzidas. Publicado na revista Nature com apoio da Fapesp, o estudo abre novas possibilidades para tratamentos de condições como o acidente vascular cerebral (AVC) e até pode facilitar viagens espaciais prolongadas.
“Esses neurônios, localizados no núcleo mediano pré-óptico do hipotálamo, são identificáveis pela presença do receptor de prostaglandina E2 tipo EP3. Quando inibidos, eles provocam febre, e quando ativados, induzem o torpor, caracterizado por uma queda significativa e prolongada da temperatura corporal e do metabolismo”, explica Natália Machado, professora assistente na Escola de Medicina de Harvard e coautora do estudo junto com o professor Clifford Saper.
“Agora, nosso objetivo é identificar uma molécula circulante responsável por essas respostas, visando desenvolver novos fármacos e tratamentos médicos”, complementa.
Entre os coautores está Luís Henrique Angenendt da Costa, que concluiu um pós-doutorado na Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP e fez estágio no laboratório de Machado com bolsa da Fapesp.
A pesquisa observa que certas espécies, como os camundongos, entram em estado de torpor quando expostos simultaneamente à fome e ao frio. Embora os humanos não atinjam o torpor naturalmente, os cientistas acreditam que esses neurônios permanecem evolutivamente conservados. Um estímulo adequado poderia ativá-los ou inibi-los, resultando em febre ou torpor, sendo que, no caso dos camundongos, o metabolismo pode ser reduzido em até 80% durante o torpor.
Indução do torpor
“Induzir a redução da temperatura corporal e do metabolismo pode ser uma estratégia útil para tratar o AVC, permitindo que o tecido afetado tolere a falta de oxigênio por mais tempo, o que aumenta a janela para uma intervenção médica”, exemplifica Costa.
Atualmente, existem métodos para hipotermia terapêutica, mas a redução da temperatura é limitada e pode causar efeitos colaterais, como instabilidade cardíaca. A ativação dos neurônios descritos no estudo permite a diminuição da temperatura corporal sem reações adversas do organismo, evitando os problemas associados à hipotermia convencional.
“É como se ajustássemos o termostato dos animais para cerca de 10 °C abaixo da temperatura normal antes do torpor”, diz Machado.
Em uma hipótese mais extrema, essa redução do metabolismo pode ser benéfica em viagens espaciais longas, como as planejadas para Marte pela NASA e ESA. O estado de torpor exigiria menos energia, diminuindo a necessidade de alimentos durante os aproximadamente mil dias de viagem, o que é crucial para a missão.
“Não seria uma queda tão drástica como a dos camundongos, mas algo próximo à hibernação dos ursos no inverno”, ilustra a pesquisadora.
Indução de febre
Quanto à indução de febre, uma elevação da temperatura corporal é uma defesa contra vírus e bactérias. O desenvolvimento de novas terapias que favoreçam essa resposta pode ter um impacto significativo, especialmente em pessoas idosas que frequentemente apresentam uma resposta imune inadequada.
Para confirmar que essa população específica de neurônios induzia febre e torpor, os pesquisadores utilizaram camundongos geneticamente modificados, manipulando os neurônios que expressam receptores EP3 na região pré-óptica do hipotálamo. Através de quimiogenética e optogenética, os neurônios foram ativados com precisão, e mecanismos de atividade neuronal foram monitorados em tempo real, revelando que o cálcio é um sinalizador intracelular crucial nas respostas de febre e torpor.
Por fim, ao deletar esses neurônios, os pesquisadores observaram que os animais não conseguiam mais ter febre nem entrar em torpor, destacando a importância dessas células na regulação da temperatura corporal.
Agora, os cientistas visam identificar métodos não invasivos para induzir os efeitos do torpor, uma vez que as técnicas atuais não são aplicáveis em humanos. A descoberta de hormônios ou peptídeos circulantes pode ser fundamental para o desenvolvimento de novas terapias.
De volta ao Brasil pelo programa Conhecimento Brasil do CNPq, Costa continua sua pesquisa na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, investigando os mecanismos da hipotermia causada por infecções graves, como a sepse, com intuito de desenvolver novas abordagens terapêuticas.

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