15 de julho de 2020
Quando o projeto que pedia autorização para assinatura do empréstimo do CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina) foi enviado à Câmara de Taubaté, no fim de janeiro de 2015, o governo Ortiz Junior (PSDB) esperava que nos 11 anos seguintes (período de duração da operação de crédito, com quatro anos para receber o dinheiro e sete para pagar) o dólar não ultrapassasse a marca de R$ 2,75.
O projeto foi enviado à Câmara no dia 29 de janeiro de 2015, quando a moeda norte-americana estava cotada a R$ 2,59.
No dia 5 de fevereiro daquele ano, quando o dólar estava cotado a R$ 2,73, o então secretário de Governo, Eduardo Cursino, que era gestor do programa de obras do CAF no município, disse que era “impossível”, por exemplo, que a moeda norte-americana atingisse a marca de R$ 4,50 no período da operação de crédito.
“Pelo fato do juro ser de 1,6% ao ano, é muito abaixo do praticado pelo mercado. E os estudos praticados pelo mercado apontam que o dólar não vai superar de R$ 2,75. No PAC [Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal], por exemplo, o juro anual é de 6%. Se o dólar chegasse a R$ 4,50, o que é impossível, [o empréstimo pelo CAF] ainda seria igual ao PAC e ao DesenvolveSP [linha de crédito do governo estadual]”, disse na ocasião, em entrevista ao jornal.
Na mesma data, em nota enviada à reportagem, a Prefeitura reforçou o entendimento do secretário. “Todos os estudos projetados pelo mercado apontam que o dólar não ultrapassará R$ 2,75. A série histórica dos últimos 20 anos demonstra que a moeda americana se comporta de maneira senoidal, sofrendo altos e baixos”, disse trecho do comunicado.
No dia 12 de maio de 2015, quando o projeto estava em vias de ser votado na Câmara, Ortiz participou de uma audiência pública no Legislativo para debater o empréstimo. Naquela data, a moeda norte-americana estava cotada a R$ 3,03. “Nós estamos hoje no pior momento do dólar”, afirmou o tucano, negando que a variação cambial fosse um risco ao município.
O projeto foi aprovado pela Câmara em junho de 2015. No dia 24 de setembro de 2015, quando o dólar bateu R$ 4,19, o então gestor do programa no município disse que a alta da moeda norte-americana poderia ser benéfica para a Prefeitura, e voltou a apostar em uma queda nos anos seguintes. “Para nós, pegar o empréstimo com o dólar alto é bom, pois teremos quatro anos de carência. Quando a Prefeitura começar a pagar, estará em um valor menor”, disse Cursino na ocasião.
MENTIRA.
O empréstimo de US$ 60 milhões foi assinado em 1º de dezembro de 2017. Dias antes, em 17 de novembro, a Prefeitura realizou um evento para lançar o programa ‘Acelera Taubaté’, como foi batizado o pacote de obras financiadas com a operação de crédito. Nesse evento, Ortiz divulgou uma informação incorreta: de que haveria no contrato uma espécie de seguro para proteger o município de uma alta do dólar.
“O valor final é de US$ 60 milhões. A taxa de câmbio que a gente receber o financiamento deve ser na casa dos R$ 3,20, embora a Secretaria do Tesouro Nacional e a PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional] fixaram um câmbio máximo em R$ 3,60. Então, ainda que o câmbio ultrapasse R$ 3,60, numa explosão aí de taxa de câmbio, então um câmbio máximo seria R$ 3,60. Ainda que o dólar chegue a valer R$ 4, R$ 4,20, o máximo dessa operação financeira será um câmbio de R$ 3,60 – e hoje é R$ 3,20”, disse o tucano, na ocasião.
Essa informação falsa divulgada pelo prefeito foi utilizada por aliados do tucano nos últimos anos para rebater críticas de que a alta do dólar poderia causar prejuízo ao município.
Para efeito de comparação, quando o projeto do empréstimo foi elaborado, ainda no primeiro mandato do governo Ortiz, o dólar foi cotado a R$ 2,32. Assim, a operação de crédito representaria R$ 139,2 milhões. Por isso o pacote de obras era mais modesto – incluía apenas o prolongamento da Estrada do Pinhão, a duplicação da Estrada do Barreiro, a pavimentação de vias e a implantação de parques lineares.
Quando o empréstimo foi assinado, no dia 1º de dezembro de 2017, o dólar estava cotado a R$ 3,25. Ou seja, os US$ 60 milhões já representavam R$ 195 milhões. O pacote de obras foi então inflado, e passou a contar também com obras antienchentes, duplicação do viaduto Cidade Jardim, revitalização do trecho urbano da rodovia SP-62 e até obras emergenciais, como a recuperação de uma via engolida por uma cratera no Jaraguá.
Até o momento, o município recebeu US$ 53,9 milhões por parte do CAF, que representaram R$ 210,1 milhões. Ou seja, cada dólar recebido foi equivalente a R$ 3,89, em média.
Para efeito de comparação, caso a Prefeitura recebesse os US$ 6,1 milhões restantes pela cotação atual (R$ 5,34), o total do empréstimo ficaria em R$ 242,6 milhões. Já o total a ser pago, calculado na mesma cotação, seria de R$ 320,4 milhões – ou seja, o prejuízo seria de R$ 77,8 milhões apenas com a variação cambial.
O prazo para desembolsos, que é de quatro anos, termina em 1º de dezembro de 2021. Na sequência, após uma carência de seis meses, a Prefeitura iniciará os pagamentos, com um prazo de sete anos – entre junho de 2022 e junho de 2029.
OUTRO LADO.
Desde o mês passado, quando o jornal revelou que a informação sobre o seguro era falsa, o governo Ortiz tem alegado que as declarações sobre a “cotação máxima do dólar em R$ 3,60” eram referentes à “conversão das contrapartidas”. As contrapartidas são os US$ 60 milhões que a Prefeitura também precisaria investir, com recursos próprios, para ter acesso ao empréstimo. Para cumprir essa exigência, aliás, não foram feitos investimentos novos – o município listou uma série de ações que já eram desenvolvidas, como o COI (Centro de Operações Integradas).
O governo Ortiz alegou ainda que “não há quaisquer prejuízos ao município nesta operação, que apresenta valores de mercado inferiores aos praticados pelas instituições financeiras do país”.
A gestão tucana argumentou também que “a partir de 2022, quando tiver início o pagamento das parcelas, o município deve pagar [ao CAF] em torno de 5,4% de sua receita corrente líquida, o que representa grande viabilidade econômica. Além disso, esses percentuais devem ser reduzidos ainda mais no decorrer dos pagamentos”.