Instituído em 1982 por movimentos sociais e oficializado pelo Governo Federal em 2005, o dia 21 de setembro celebra o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. A data visa promover a busca por maior acessibilidade em áreas como emprego, educação e lazer. Desde 2015, a campanha Setembro Verde tem enriquecido e ampliado essa discussão ao longo do mês.
Apesar de já existirem leis como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, essa população ainda enfrenta diariamente barreiras estruturais, arquitetônicas e informacionais que dificultam sua participação integral na vida social. Por isso, a adoção de novas tecnologias é vital para ajudar a superar ou minimizar esses desafios. Um exemplo é o aplicativo Siga – Guia Acessível da Cidade, desenvolvido pelo Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão em Mídia e Acessibilidade Biblioteca Falada da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Unesp, campus de Bauru.
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Desde 2004, a Biblioteca Falada se dedica à produção de mídia sonora acessível, adaptando conteúdos impressos e digitais para áudios destinados a pessoas com deficiência visual. Em 2019, o grupo embarcou em um novo projeto: um aplicativo de orientação e mobilidade focado em pessoas cegas em cidades do interior paulista.
O Siga Cidades está disponível em celulares e computadores. O aplicativo oferece descrições em áudio de espaços públicos, incluindo pontos turísticos, edifícios oficiais, comércios, locais religiosos e unidades de saúde e educação. O objetivo é proporcionar informações imagéticas e espaciais que ajudem os usuários a se deslocarem com autonomia e a explorar novas áreas de lazer, aprendizado, comércio ou serviços de saúde.
Inspiração surgiu de um estudante
A coordenadora do projeto Biblioteca Falada e docente da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Suely Maciel, conta que a ideia do projeto surgiu durante uma visita à Rádio Unesp com alunos do Lar Escola Santa Luzia, que atende pessoas cegas em Bauru. “Fizemos uma audiodescrição do espaço e uma aluna pediu que isso fosse feito em uma das principais ruas da cidade”, relembra.
A audiodescrição é uma ferramenta de acessibilidade que fornece descrições verbais de conteúdos visuais, facilitando a compreensão para pessoas com deficiência visual. Seu uso em museus e instituições culturais é mais comum, mas ainda é raro em ambientes urbanos.
Com apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, a equipe começou a fazer audiodescrições de 79 locais em Bauru. O projeto ganhou financiamento da antiga Coordenadoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade, agora parte da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade. Isso possibilitou a expansão do aplicativo para Botucatu, com 22 locais descritos, e Marília, com 20 locais, com Araraquara como próxima cidade-alvo.
A escolha dos locais a serem descritos envolve a colaboração de instituições que atendem pessoas com deficiência visual. Em Bauru, participaram o Lar Escola Santa Luzia, a APAE e a Secretaria Municipal de Educação. Em Botucatu, a equipe contou com o apoio de pesquisadores da área, e em Marília, a Associação de Deficientes Visuais de Marília foi a principal parceira.
Além das descrições dos espaços, a equipe também cria áudios informativos que oferecem contexto histórico e arquitetônico. “Por exemplo, ao falar da Prefeitura de Araraquara, a pessoa deve entender sua história, como foi construída, se passou por reformas e suas dimensões. Esse contexto enriquece a compreensão da audiodescrição”, diz Marcela Evangelista, graduanda em jornalismo e assessora especial do Biblioteca Falada.
Adequação das descrições por áudio
O Siga foi a primeira iniciativa do Biblioteca Falada focada na audiodescrição de espaços físicos; anteriormente, o projeto se concentrou na descrição de conteúdos audiovisuais, como pequenas cenas de novelas e curtas-metragens.
Guilherme Ferreira, doutorando em Comunicação e membro do projeto de 2018 a 2024, afirma que a equipe investiu em formação antes de desenvolver o aplicativo. “Realizamos cursos de audiodescrição e aprimoramos nossos métodos de roteiro e locução. Esse período foi essencial para entender como descrever ambientes e paisagens”, explica.
A criação do roteiro de audiodescrição de ambientes requer atenção a detalhes, especialmente na continuidade da cena. As descrições são organizadas em blocos que precisam se conectar, criando uma sequência lógica. Por exemplo, ao descrever uma igreja, começamos pela fachada, depois o pátio e, por último, os fundos.
A coleta de informações é uma etapa crucial que precede a elaboração do roteiro. Evangelista menciona que o processo combina análises prévias no Google Maps com visitas presenciais para identificar detalhes que não são capturáveis online, como cores, texturas e desníveis.
Para validar o material produzido, a equipe conta com a ajuda de consultores voluntários com deficiência visual, como Ednilson Sacramento, que participa há dois anos. Ele destaca que a ampliação da equipe de consultores enriqueceu os roteiros, inserindo informações arquitetônicas e culturais relevantes, além de criar um enfoque turístico adaptado às necessidades de pessoas com deficiência visual.
Na locução, é necessário seguir cuidados específicos: ela deve ser clara, pausada e neutra, com variações de tom conforme o contexto. É fundamental que a fala tenha um ritmo cotidiano, evitando que os áudios se tornem maçantes. O tom pode mudar de acordo com o tipo de local, utilizando uma voz mais suave para histórias delicadas e uma mais animada em espaços de lazer e cultura.
Capacitando profissionais em acessibilidade
Suely Maciel ressalta que outro aspecto positivo do projeto é a formação especializada dos estudantes. “Dois diferenciais se destacam: o conhecimento em acessibilidade midiática e audiodescrição, proporcionando uma formação diferenciada”, afirma.
Ferreira e Evangelista confirmam esse impacto. Atualmente, Ferreira investiga como aplicar técnicas de acessibilidade no ambiente organizacional, enquanto Evangelista utiliza sua experiência em locução e gestão no estágio que está realizando. “No projeto, temos alunos de licenciatura que, mesmo não produzindo materiais sonoros, aprenderão a lidar melhor com alunos com deficiência visual no futuro”, afirma Evangelista.
A expectativa é que o Siga continue a se expandir para mais cidades do interior paulista. “Meu sonho é que todas as cidades tenham este mapeamento com audiodescrição. Se não for possível, que, ao menos, todas as cidades que têm unidades da Unesp contem com esse recurso”, diz Suely.
“Nosso objetivo é garantir que todos tenham acesso à informação em qualquer lugar, pois isso é um direito de todos”, conclui Evangelista.
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