Maria, aos 78 anos, enfrenta a hipertensão e precisa tomar sete medicamentos em horários específicos ao longo do dia. O comprimido da manhã deve ser ingerido às 8h, mas há o risco de ela esquecer. Se sua pressão arterial continuar descontrolada na próxima consulta, será complicado determinar se o problema foi uma falha no tratamento ou na sua adesão.
Esse cenário é comum em muitos lares brasileiros. A falta de adesão ao tratamento medicamentoso pode gerar sérias consequências, especialmente considerando que os idosos no Brasil frequentemente usam medicamentos de forma contínua, conforme apontado pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, realizada pelo IBGE e pelo Ministério da Saúde.
Uma parte significativa dos idosos não segue corretamente as prescrições médicas, pois uma adesão eficaz requer uma atenção, memória e organização consideráveis. Uma revisão de artigos da Universidade de São Paulo (USP) em 2022 revelou que a não adesão entre os idosos varia de 5,4% a 88,24%, dependendo do grupo analisado e do método utilizado.
O impacto vai além da saúde individual: quando um paciente não toma os medicamentos como recomendado, o sistema de saúde é afetado, levando a mais internações, consultas de emergência e exames. Estudos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2017 mostraram que 14% das emergências no Hospital de Clínicas de Porto Alegre estavam relacionadas a medicamentos, incluindo casos de não adesão.
Solução Brasileira
Visando esse desafio, o farmacêutico Fernando Bizerra fundou a RenovatioMed e criou um dispositivo inovador, repleto de tecnologia desenvolvida no Brasil. “É um organizador inteligente de medicamentos, com placas eletrônicas e sensores, inteiramente projetado pela RenovatioMed”, comenta Bizerra. O projeto recebeu apoio da Fapesp, através do programa Centelha em São Paulo.
Os sensores coletam dados que são analisados em um aplicativo e na plataforma da empresa. “Nosso dispositivo não depende da ação do paciente ou do cuidador no aplicativo”, destaca Bizerra. “Registramos automaticamente o acesso aos medicamentos diretamente pelo organizador.”
O sistema também identifica tentativas de acesso inadequadas. Se um paciente tenta pegar um medicamento fora do horário previsto, o dispositivo acende LEDs vermelhos como aviso. Essas informações são registradas e podem ser revisadas pela equipe de saúde.
Embora essa abordagem não seja nova, poucos empreendimentos se arriscam na criação de um dispositivo físico para monitoramento. “São raras as soluções desse tipo, pois trabalhar com hardware é desafiador”, reflete Bizerra. “Nosso objetivo é evitar esquecimentos e erros na administração.”
O organizador comporta comprimidos para toda a semana, distribuídos em até quatro horários diários. “Ele emite alertas sonoros e luminosos”, explica Bizerra. “Os recipientes dos medicamentos ficam verdes na hora adequada. Quando os remédios são ingeridos, registramos essa ação.” Assim, o sistema não só lembra os horários, mas também monitora cada passo do paciente.
A solução é especialmente útil em três situações críticas: acompanhamento de idosos e pacientes crônicos em casa, monitoramento de novos esquemas terapêuticos após procedimentos médicos ou cirurgias, e gerenciamento de medicamentos de alto custo, como quimioterápicos, onde doses perdidas podem resultar em altos desperdícios financeiros e comprometer a eficácia do tratamento.
Tempo Real
No aplicativo, familiares e pacientes podem acompanhar tudo em tempo real: listas de medicamentos, horários de cada dose e a correta ingestão dos remédios. Além disso, notificações são enviadas caso algum medicamento seja esquecido. “Se, após 45 minutos, o paciente não tiver tomado a medicação, ele recebe uma notificação”, exemplifica Bizerra.
Para instituições de saúde, clínicas e operadoras de planos de saúde, a plataforma oferece uma visão abrangente, permitindo o acompanhamento global da adesão de todos os pacientes. Informações detalhadas sobre o tratamento e perfil de cada paciente estão disponíveis.
O feedback dos usuários tem sido positivo, ressaltando a facilidade de uso do dispositivo e a melhora na rotina familiar. Apesar disso, Bizerra reconhece a necessidade de expandir estudos. “Temos pacientes e familiares utilizando o sistema por mais de dois anos, sem falhas, o que demonstra a confiabilidade do aparelho”, afirma.
Um caso específico envolveu uma paciente diabética com glicemia descontrolada. A família não conseguia monitorar a adesão ao tratamento. Com o uso do dispositivo, foi confirmado que a paciente seguia 100% do protocolo. Como os exames ainda mostravam glicemia alta, o médico pôde ajustar o tratamento de maneira segura. “Conseguimos auxiliar a família, a paciente e o profissional de saúde, pois os dados foram utilizados para fazer alterações no tratamento.”
R$ 40 por mês
A RenovatioMed oferece o aluguel do dispositivo tanto para operadoras de saúde quanto para usuários individuais. A mensalidade cobre o aluguel do aparelho, acesso ao aplicativo e suporte da empresa. O serviço está disponível diretamente através da RenovatioMed e atualmente atende cerca de 50 pacientes.
Na fase de validação, testes foram realizados com a Unimed e os resultados foram promissores. “Evoluímos de um protótipo para um produto finalizado”, relata Bizerra. A empresa participou de programas de inovação e incentivo do governo federal e estadual e agora está buscando comercializar seu dispositivo em larga escala.

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