Pesquisa revela traços de indivíduos inclinados a obsessões por dietas saudáveis.

Manter uma rotina saudável, com uma dieta equilibrada e a prática regular de exercícios, é amplamente reconhecido como um caminho eficaz para o bem-estar e a prevenção de doenças. No entanto, em certos casos, a busca excessiva pela alimentação perfeita pode ser prejudicial.

Especialistas se referem a isso como ortorexia nervosa, que é a obsessão por uma alimentação saudável que pode resultar em comportamentos rígidos, ansiedade, isolamento social e desequilíbrios nutricionais. A preocupação extrema com a qualidade dos alimentos pode transformar o que deveria ser um cuidado em um sofrimento silencioso.

Um estudo publicado na revista Psychology, Health & Medicine, envolvendo 1.359 brasileiros fisicamente ativos (principalmente mulheres com média de 29 anos), identificou características de pessoas mais propensas a desenvolver essa relação problemática com a alimentação. A pesquisa explorou duas dimensões: aquela relacionada à predisposição à ortorexia nervosa e outra ao interesse genuíno por uma alimentação equilibrada.

Conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), do Centro Universitário de Patos de Minas (Unipam) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o estudo foi financiado pela Fapesp.

“Embora a ortorexia ainda não seja oficialmente classificada como um transtorno alimentar, como a anorexia ou bulimia, já é considerada um comportamento disfuncional por profissionais da saúde. No estudo, observamos diversas relações desse padrão alimentar com comportamentos indesejados, o que pode ajudar na identificação e tratamento dessa questão no futuro”, explica Wanderson Roberto da Silva, professor do Programa de Pós-Graduação em Alimentos, Nutrição e Engenharia de Alimentos da Unesp, que coordenou a pesquisa.

Silva observa que comportamentos frequentemente associados à ortorexia nervosa incluem a eliminação radical de alimentos considerados “impuros” ou “não saudáveis”, como produtos ultraprocessados, itens com aditivos (corantes e conservantes) e açúcar adicionado. Isso pode se estender a restrições injustificadas a grupos alimentares como glúten e laticínios. Nessa busca pela pureza alimentar, apenas são consumidos alimentos vistos como saudáveis, como os orgânicos e de origem conhecida.

“Essa obsessão pela pureza dos alimentos gera desequilíbrios significativos. A alimentação é uma questão complexa que envolve cultura, relacionamentos e afeto. Curiosamente, essa alimentação repleta de regras muitas vezes resulta em desequilíbrios nutricionais e psicológicos, já que a falta de variedade leva à valorização excessiva de proteínas em detrimento de gorduras, fibras e carboidratos, que também são cruciais”, observa Silva.

O estudo revela que o interesse saudável pela alimentação está associado a fatores como idade avançada, prática regular de exercício, ausência de cirurgias estéticas e uso moderado de suplementos. Em contrapartida, a ortorexia nervosa é mais prevalente entre mulheres, pessoas desempregadas, com histórico de transtornos alimentares e que seguem dietas restritivas com foco na estética.

“Esses padrões revelam uma rigidez cognitiva e uma busca excessiva por controle, gerando culpa, ansiedade e até evitando a convivência social”, acrescenta Silva. Ele alerta que o desemprego pode agravar esses sintomas, aumentando o estresse e desorganizando a rotina.

O pesquisador destaca um ponto interessante: ambos os grupos se associam à prática frequente de exercícios. “Isso ressalta a dualidade do comportamento saudável: o exercício pode promover a saúde, mas, combinado com uma rigidez extrema e preocupações estéticas, pode se tornar parte do problema. No Brasil, onde a imagem corporal é muito valorizada, pressões estéticas podem levar a padrões alimentares rígidos”, diz Silva.

“É essencial restaurar o equilíbrio na relação com a comida. Como nutricionista, incentivo a ingestão de alimentos nutritivos e a adoção de hábitos saudáveis. Contudo, é fundamental reconhecer que uma alimentação verdadeiramente saudável nutre corpo, mente e relacionamentos sociais. Isso não implica buscar prazer constante em alimentos altamente processados, mas entender que, por vezes, um alimento pode ser parte da dieta por razões de bem-estar, conforto ou conexão social”, conclui.