A Butantan-DV, a vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan e recentemente aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é resultado do esforço de mais de 200 cientistas e colaboradores. O projeto começou em 2009, em um período em que o Brasil registrava altos índices de dengue, com 1 milhão de casos e quase 900 mortes. A doença, que circula desde 1980, se consolidou como um grave problema de saúde pública no país.
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Fases de desenvolvimento
Utilizando uma formulação específica chamada TV003, o NIH conduziu a fase 1 do ensaio clínico nos EUA entre 2010 e 2012, avaliando a vacina em 113 voluntários saudáveis sem exposição anterior ao vírus. Após uma única dose, 90% dos participantes geraram anticorpos contra a dengue, e a vacina apresentou um bom perfil de segurança. Os resultados foram publicados no The Journal of Infectious Diseases.
Enquanto isso, o Instituto Butantan trabalhava em sua própria formulação, liderada pela pesquisadora Neuza Frazatti Gallina. Foram realizados 270 experimentos e 50 tentativas de formulação até chegar ao produto final. A vacina necessitou manter a mesma concentração de cada sorotipo, o que exigiu estudos individuais de cada cepa.
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Entre 2013 e 2015, com a formulação brasileira e os resultados da fase 1 dos EUA, o Butantan obteve a aprovação da Anvisa para iniciar a fase 2 dos ensaios clínicos, que incluiu 300 adultos brasileiros de 18 a 59 anos. Assim como a versão americana, a vacina do Butantan gerou uma resposta imune robusta com apenas uma dose e mostrou-se segura tanto para quem já havia tido contato com o vírus quanto para aqueles sem exposição prévia. Os resultados foram publicados na The Lancet Infectious Diseases.
Fase decisiva
Após estabelecer a segurança e a capacidade da Butantan-DV de gerar anticorpos contra os quatro sorotipos com uma única dose, o estudo avançou para a fase 3 em 2016. A meta agora era avaliar a eficácia do produto em regiões com alta circulação do vírus.
Para isso, o Instituto Butantan organizou uma rede de 16 centros de pesquisa em 14 estados, recrutando 16 mil voluntários de 2 a 59 anos. O Butantan ofereceu capacitação a profissionais de saúde e suporte para criar a infraestrutura necessária para um dos maiores estudos clínicos realizados no Brasil.
A pesquisa continuou até que todos os participantes completassem cinco anos de acompanhamento para avaliar a manutenção da resposta imune e da segurança ao longo do tempo.
Em janeiro de 2024, foram divulgados os primeiros resultados da fase 3: após dois anos de acompanhamento, a eficácia geral foi de 79,6%. Para indivíduos com anticorpos pré-existentes, a proteção foi de 89,2%, enquanto aqueles sem histórico de contato com o vírus apresentaram uma eficácia de 73,6%. Os dados foram publicados no New England Journal of Medicine.
Uma nova publicação em agosto, na The Lancet Infectious Diseases, revelou uma eficácia de 89% contra dengue grave ou com sinais de alarme após uma média de 3,7 anos de acompanhamento. A vacina também se mostrou segura, sem novas preocupações relacionadas à segurança.
Com resultados promissores, o Butantan solicitou o registro da vacina contra a dengue à Anvisa em dezembro de 2024, apresentando a documentação exigida.
A aprovação da Butantan-DV para pessoas de 12 a 59 anos, divulgada nesta quarta-feira (26), foi baseada nos resultados conclusivos da fase 3, que abordaram cinco anos de acompanhamento dos voluntários. Os dados mostraram uma eficácia geral de 74,7% e 91,6% contra dengue grave.
Espera-se que a Butantan-DV seja incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e disponibilizada no sistema público de saúde em 2026.
Marcos da dengue no Brasil
O registro da vacina do Butantan surge em um momento crucial, após a maior epidemia de dengue já registrada no Brasil: em 2024, o país alcançou 6,5 milhões de casos prováveis, quatro vezes mais do que em 2023. Em 2025, até novembro, foram contabilizados 1,6 milhão de casos prováveis.
A dengue circula no Brasil desde a década de 1980, quando a primeira epidemia foi documentada em Boa Vista (RR). O mosquito Aedes aegypti, vetor do vírus, se disseminou pelo país devido às condições climáticas favoráveis e ao crescimento urbano. Entre 2000 e 2024, houve 24 milhões de casos prováveis e 16 mil mortes.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), metade da população mundial vive em risco de contrair dengue, com estimativas de 100 milhões a 400 milhões de casos anuais. Embora a infecção possa ser assintomática, alguns indivíduos evoluem para formas graves da doença, podendo levar a hemorragias e óbitos se não forem tratados adequadamente.

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