Brasileiro deseja enviar ‘minicérebros’ ao espaço para avaliar plantas da Amazônia no combate ao Alzheimer.

Em 2019, o pesquisador Alysson Muotri, professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, iniciou uma colaboração com a NASA para enviar “minicérebros” à Estação Espacial Internacional. Conhecidos como organoides, esses minicérebros são esferas de células neurais que se organizam de forma a simular o funcionamento do cérebro humano.

O experimento visava explorar tratamentos para distúrbios neurológicos e doenças degenerativas. Após um mês no espaço, os minicérebros mostraram sinais de envelhecimento acelerado devido às condições de microgravidade.

LEIA TAMBÉM: Pesquisadores desenvolvem composto químico com potencial contra a doença de Alzheimer

A equipe de Muotri notou que esse envelhecimento cerebral provoca uma resposta autoimune a trechos de DNA retroviral, o que pode ser uma das razões para o desenvolvimento do Alzheimer e outras condições neurológicas. Essa descoberta abriu portas para a possível utilização de medicamentos antirretrovirais no tratamento dessas doenças.

Muotri queria ir além e, como diretor do Sanford Integrated Space Stem Cell Orbital Research Center (ISSCOR), se ofereceu para ir ao espaço pessoalmente para experimentar com os “minicérebros”. Ele tinha a intenção de investigar extratos de plantas da Amazônia que possuem efeitos neuroativos benéficos, especialmente para o Alzheimer, porém a missão foi interrompida devido a cortes significativos nos orçamentos de pesquisa do governo dos Estados Unidos.

No evento da Escola Interdisciplinar Fapesp sobre Ciências Exatas e Naturais, Engenharia e Medicina, Muotri participou de uma entrevista com a Agência Fapesp, cujos principais trechos são apresentados abaixo:

Quais foram suas descobertas sobre plantas da Amazônia no espaço?

Alysson Muotri – Iniciamos uma parceria com Spartaco Astolfi Filho, professor da Universidade Federal do Amazonas, visando isolar moléculas de plantas com potencial neuroativo. Estamos selecionando espécies que tenham benefícios medicinais e testando a eficácia terapêutica dessas moléculas, tanto na neuroproteção quanto no tratamento do Alzheimer, utilizando modelos de células-tronco de pacientes com a doença.

Estamos cultivando tecido cerebral em laboratório a partir dessas células e, para induzir o envelhecimento, levamos esses tecidos à Estação Espacial Internacional. O retorno dos tecidos resulta na Senescência Neural Induzida pelo Espaço (SINS), que acelera o envelhecimento de forma que seria impossível em um curto período na Terra. As moléculas das plantas serão testadas diretamente nesses tecidos neurais na estação espacial. Para isso, precisamos de uma equipe de cientistas-astronautas treinados para realizar esses experimentos. Assim, parte do projeto será realizada em órbita, com um primeiro grupo de cientistas-astronautas, sendo eu o primeiro a participar, seguido por outro cientista após meus dez dias.

Qual é o status dos preparativos?

Muotri – Estávamos prontos para iniciar esses experimentos, mas mudanças na administração do governo americano resultaram em grandes cortes de recursos, afetando a NASA e outras agências de fomento à pesquisa. Isso atrasou nossa pesquisa, e a demora na nomeação do novo presidente da NASA complicou ainda mais a situação. Recentemente, um novo CEO foi nomeado, mas teremos que esperar um pouco mais até que a situação se estabilize.

É possível conduzir esses experimentos apenas com financiamento privado?

Muotri – Acredito que sim, podemos seguir adiante independentemente da NASA, colaborando com agências espaciais privadas como SpaceX, Axiom Space e Vast, que demonstraram interesse pelo nosso projeto. Estamos em busca de parcerias na indústria farmacêutica, seguradoras e iniciativas filantrópicas para viabilizar esses experimentos. A cura ou tratamento eficaz para o Alzheimer pode gerar uma economia significativa para grandes países como os Estados Unidos e o Brasil, o que justifica um investimento maior em nova pesquisa. Um ponto positivo dessa colaboração com a Ufam e os Huni Kuins é que, caso desenvolvamos fármacos, os royalties serão revertidos para a conservação da Amazônia e dos povos indígenas, garantindo que a propriedade intelectual seja compartilhada e beneficie aqueles que nos ajudaram com seu conhecimento ancestral.

Existem estudos clínicos em andamento com base nas descobertas do seu grupo? Quais são eles?

Muotri – Um resultado interessante da pesquisa no espaço foi relacionado à síndrome de Rett. Descobrimos uma nova via molecular não reconhecida anteriormente que pode ser bloqueada pelo uso de antirretrovirais, especialmente os utilizados para o HIV, que são acessíveis e podem ser benéficos para essa síndrome. Estamos iniciando um ensaio clínico no Brasil para testar a eficácia dos antirretrovirais no tratamento da síndrome de Rett.

Em 2022, seu grupo publicou um estudo sobre uma nova terapia genética para a síndrome de Pitt-Hopkins. Vocês avançaram para a fase de estudos clínicos?

Muotri – Estamos em fase de preparação para um ensaio clínico em colaboração com o doutor Fábio Papes da Unicamp, pois identificamos um vetor para terapia gênica que pode reverter sintomas da síndrome de Pitt-Hopkins. Recentemente, recebemos aprovação da FDA para avançar com o recrutamento de pacientes e testar a eficácia do vetor nos Estados Unidos. Entraremos na fase 1, que avaliará a toxicidade do vetor em doses baixas, observando possíveis efeitos colaterais. Se tudo correr bem, na fase 2 avaliaríamos a eficácia da terapia genética. A previsão é que comece o recrutamento em 2026.