A cólica menstrual intensa não é apenas um desconforto na adolescência; ela pode ter consequências a longo prazo. Um estudo publicado no *The Lancet Child & Adolescent Health* revela que adolescentes com cólicas moderadas ou severas aos 15 anos têm um risco aumentado (até 76%) de desenvolver dor crônica aos 26 anos. A pesquisa envolveu o professor Omero Benedicto Poli Neto, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, que enfatiza a importância de não subestimar a intensidade da cólica menstrual. “Quando severa, ela é um importante indicador que aumenta significativamente o risco de dor crônica na vida adulta”, alerta.
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O estudo acompanhou 1.157 participantes do Reino Unido por 12 anos. Ao serem atendidas aos 15 anos, as adolescentes avaliaram a intensidade de suas cólicas menstruais. Aos 26 anos, foram analisadas quanto à presença de dor crônica – dor persistente por três meses ou mais. Entre aquelas que nunca tiveram cólicas, cerca de 18% desenvolveram dor crônica na vida adulta. Para aquelas com cólicas moderadas, o risco subiu para 65%, e para as com cólicas severas, chegou a impressionantes 76% em comparação às demais.
Conforme explica Poli Neto, o estudo permitiu estabelecer uma relação de causa e efeito. “Até este momento, não existiam estudos dessa magnitude. Nós demonstramos que cólicas menstruais intensas podem ser a causa de dores crônicas futuras.”
Impacto da dor no futuro
Os resultados indicam que as consequências das cólicas intensas não se limitam à região abdominal e pélvica. Houve aumento na ocorrência de cefaleias e dores nas costas entre as adolescentes que enfrentaram cólicas severas. Além disso, foi identificado um aumento em dores articulares, como em joelhos e punhos.
“Uma adolescente com cólicas intensas não corre apenas o risco de dor pélvica. Ela pode desenvolver enxaquecas e outras dores em diferentes partes do corpo. Nós acreditamos que o que liga essas condições é o sistema nervoso central, que se torna mais sensível após a exposição repetida à dor”, esclarece o professor.
Esse fenômeno é conhecido como plasticidade do Sistema Nervoso Central (SNC): quanto mais longa e intensa a dor, maior a probabilidade de o corpo ‘armazenar’ essa experiência e responder com dor a outros estímulos ao longo do tempo. “Há uma relação de dose-dependência. Quanto mais tempo e intensidade de dor, especialmente durante fases do desenvolvimento em que o SNC é mais plástico, maior o risco de condições como fibromialgia e enxaquecas no futuro”, diz Poli Neto.
Identificando a cólica anormal
Embora muitas vezes considerada normal, a cólica menstrual intensa deve acender o alerta. Conforme o professor, se a dor interrompe atividades escolares ou profissionais por dias, não melhora com analgésicos comuns, ou afeta a vida social, é fundamental buscar atendimento médico especializado.
“Se a adolescente falta à escola frequentemente, por meses, devido à dor, isso não é normal. É um sinal claro de que precisa de avaliação médica”, orienta. Ele ressalta que nem sempre será possível identificar uma patologia, como a endometriose. “A maioria das meninas não apresentará uma doença evidente, mas a dor é real e merece ser legitimada. O apoio emocional é vital no tratamento.”
O estudo também investigou a relação com a saúde mental e constatou que a ansiedade e a depressão são apenas parcialmente responsáveis por essa associação, embora a relação entre dor crônica e saúde mental seja complexa. “A dor crônica pode gerar sintomas depressivos e de ansiedade, enquanto pessoas com histórico de ansiedade e depressão tendem a desenvolver dor crônica. É um ciclo que precisa ser considerado no tratamento”, explica o professor.
Como mudar esse cenário
O pesquisador acredita que encarar esse desafio exige ações em múltiplas frentes. “O primeiro passo é a educação. Precisamos falar sobre menstruação com meninas, meninos, pais e educadores, desmistificando o assunto.” Ele defende também a criação de ambientes sociais mais saudáveis, que incentivem a participação em atividades sociais e esportivas e que combatam abusos físicos e emocionais que aumentam a vulnerabilidade.
Na área da saúde, Poli Neto aponta a necessidade de reformar os serviços para atender melhor a dor crônica feminina, capacitar profissionais e garantir acesso a tratamentos que podem aliviar a cólica, como anticoncepcionais hormonais, quando apropriado. “É surpreendente que muitas meninas não saibam que o anticoncepcional pode ajudar a aliviar cólicas menstruais. As informações precisam chegar até elas, e o sistema de saúde deve estar preparado para fornecer um cuidado contínuo.”
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