Pesquisa identifica regiões com maior risco de picadas de serpentes.

Uma pesquisa publicada em junho na Revista Brasileira de Epidemiologia, com a colaboração do Instituto Butantan, apresenta uma análise aprofundada dos acidentes envolvendo serpentes no estado de São Paulo, além de identificar as áreas de maior risco.

Segundo o estudo, as picadas de jararaca foram as mais comuns, especialmente nas regiões sul, sudeste, norte e litoral de São Paulo. Em contraste, as incidências de picadas de cascavel ocorreram principalmente no centro, nordeste e noroeste do estado. A espécie coral-verdadeira, embora represente apenas 1% dos casos, também deve ser considerada, pois foi encontrada em diversas partes do estado.

Mais da metade dos acidentes com serpentes em São Paulo foram causados por jararacas. Foto: José Felipe Batista

O perfil das vítimas indica que homens entre 20 e 59 anos são os mais afetados, seguindo o padrão observado em todo o país. A análise geográfica mostra um dado interessante: apesar de a maioria das fatalidades ocorrer em áreas rurais, onde o acesso a atendimento é mais complicado, 55% dos acidentes foram reportados em ambientes urbanos ou periurbanos.

O estudo, que contou com a participação de especialistas do Ministério da Saúde, da Secretaria da Saúde de São Paulo e da Universidade de São Paulo, analisou 17.740 acidentes com serpentes peçonhentas notificados entre 2010 e 2022, utilizando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

“O objetivo é apoiar o planejamento de ações preventivas e otimizar os recursos de saúde, como a distribuição de antivenenos em todo o estado”, afirma Fan Hui Wen, diretora técnica de produção de soros do Butantan e uma das autoras do estudo.

Os acidentes com cascavéis ocorrem em regiões secas com vegetação aberta. Foto: José Felipe Batista

Áreas com maior risco

Em 2022, o estado de São Paulo registrou 2.133 casos de picadas de serpentes peçonhentas, ocupando o quarto lugar no ranking nacional.

A pesquisa sugere que essa alta taxa pode ser atribuído a um fenômeno chamado “urbanização dos acidentes ofídicos”. “Embora São Paulo possua grandes áreas urbanas, os acidentes com serpentes são um problema significativo. A adaptação das serpentes a diferentes ambientes, aliada ao crescimento desordenado das cidades brasileiras, atrai roedores (presas das cobras) e aumenta a chance de encontros com esses animais,” observa Fan Hui Wen.

Os incidentes com jararacas (gênero Bothrops) foram os mais frecuentes, representando 61% dos casos, principalmente em áreas próximas a florestas tropicais densas, mas também se adaptam a regiões mais secas. Os municípios com maior risco de envenenamento por jararacas são Iporanga, Sete Barras, Miracatu, Juquiá e Barra do Turvo.

Os acidentes com cascavéis (gênero Crotalus) corresponderam a 12% dos registros, comuns em regiões secas, e os maiores riscos foram identificados em Rifaina, São Francisco, São João das Duas Pontes, Cássia dos Coqueiros e Santa Mercedes.

Apesar de responsável por apenas 1,2% dos registros, os acidentes com corais-verdadeiras (gênero Micrurus) representam risco considerável em locais como Juquitiba, São Lourenço da Serra, São Francisco, São Pedro e Tabapuã. O estudo destaca que parte desses acidentes acontece devido ao manuseio das serpentes por crianças, atraídas por suas cores vibrantes e comportamento aparentemente dócil.

Sazonalidade dos acidentes

Os dados indicam que a incidência de picadas por serpentes peçonhentas aumenta no verão, período caracterizado por temperaturas elevadas e chuvas intensas, que coincide com a época de nascimento de filhotes. O aumento da movimentação das serpentes também é comum, devido à maior disponibilidade de presas e recursos.

No inverno, entre junho e agosto, houve uma redução dos acidentes com jararacas e corais-verdadeiras. No entanto, as picadas de cascavéis mantiveram-se constantes ao longo do ano.

A coloração da coral-verdadeira encanta as crianças. Foto: José Felipe Batista

Picadas fora do município de residência

O estudo revelou que muitos acidentes ofídicos ocorrem fora do município de residência das vítimas, chamados acidentes não autóctones, representando 13% dos casos de jararacas, 15% de cascavéis e 13% de corais-verdadeiras.

A Grande São Paulo destacou-se como uma área com alta concentração de moradores picados em outros locais, possivelmente durante viagens a trabalho ou lazer. Essa característica foi especialmente evidente em picadas de jararaca em cidades como Registro, Baixada Santista, Sorocaba, Campinas, Araraquara e Marília. A média de deslocamento das vítimas foi de cerca de 50 quilômetros de casa, com alguns casos extremos ocorrendo a quase 800 quilômetros do município de origem.

Esse aspecto ressalta a importância de garantir que as unidades de saúde em áreas de maior risco ou ao longo das rotas de deslocamento estejam preparadas para atender vítimas de envenenamento por serpentes, com a disponibilidade adequada de antivenenos e treinamento das equipes médicas, já que o tempo entre a picada e o atendimento é crucial para o sucesso no tratamento.

O Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde de São Paulo (CIEVS) disponibiliza um mapa online atualizado com a localização das unidades hospitalares de referência em todo o estado – salve este link e mantenha-o acessível em seu celular, especialmente quando viajar para áreas onde picadas por serpentes são frequentes.

OMS planeja reduzir os acidentes com cobras nos próximos cinco anos

O Dia Internacional de Atenção aos Acidentes Ofídicos, celebrado em 19 de setembro, busca aumentar a conscientização sobre os riscos e impactos das picadas de serpentes em diferentes populações ao redor do mundo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o ofidismo como uma doença tropical negligenciada desde 2017 e estabeleceu uma meta de reduzir em 50% as mortes e incapacidades causadas por envenenamentos de serpentes até 2030.

No Brasil, o Butantan desempenha um papel estratégico na abordagem do problema, sendo o principal produtor nacional de soros hiperimunes. Em 2024, o Instituto entregou ao Ministério da Saúde mais de 420 mil frascos de antivenenos essenciais para o tratamento de envenenamentos por serpentes.

“O Instituto sempre esteve na linha de frente do combate ao ofidismo e buscou parcerias, tanto com as áreas técnicas relacionadas ao tema quanto com a realização deste estudo, para garantir a distribuição e entrega eficiente dos antivenenos,” conclui Fan Hui Wen.

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Atualmente, a instituição produz cinco tipos de antivenenos contra picadas de serpentes:

– Soro antibotrópico (pentavalente): para acidentes com serpentes do gênero Bothrops (jararaca, jararacuçu, urutu, surucucu, comboia)

– Soro antibotrópico (pentavalente) e antilaquético: indicado para picadas de Bothrops (jararaca) ou Lachesis (surucucu-pico-de-jaca)

– Soro anticrotálico: utilizado em casos de envenenamento por Crotalus (cascavel)

– Soro antibotrópico (bivalente) e anticrotálico: eficaz contra picadas de Bothrops (jararaca) e Crotalus (cascavel)

– Soro antielapídico (bivalente): destinado ao tratamento de acidentes causados por Micrurus (coral-verdadeira)